sexta-feira, 27 de junho de 2008

O palco é um lugar assim chamado

Manual e manifesto: um clássico sobre o teatro do século XX

Peter Brook
O Espaço Vazio
Orfeu Negro, 2008,
trad. Rui Lopes,
213 págs.

Quando O Espaço Vazio foi publicado, quarenta anos antes desta rigorosa primeira tradução em Portugal, Peter Brook não era a estrela do teatro multicultural em que se tornaria. Mas estava num lugar único para fazer um diagnóstico: entre Shakespeare com os maiores e uma criação colectiva sobre o Vietname; desde investigar o Teatro da Crueldade de Artaud a considerar Brecht “a figura-chave do nosso tempo”. O Espaço Vazio resulta desta posição privilegiada e eclectismo. Sabe que ficará datado, mas continua a ser um retrato vivo de um século de tensões.
Brook descreve quatro tipos de teatro (um por capítulo): do Aborrecimento Mortal, Sagrado, Bruto e Imediato. O primeiro é o inimigo que espreita sempre, e não só no teatro comercial ou nas produções bem-comportadas dos clássicos; o segundo e o terceiro são correntes activas mas com limitações; o quarto é o que Brook reserva para si, ao mesmo tempo síntese e ponto cego: a expressão “Teatro Imediato”, no capítulo correspondente, só ocorre no título.
A dicotomia Sagrado vs. Bruto é poderosa: se um quer tornar visível o invisível, explorando as paisagens interiores e podendo aspirar a um sacerdócio, o outro é sujo e festivo, lugar por excelência do político. De um lado Artaud, Grotowski, Beckett (higienizado para caber aqui); do outro Brecht. Há saída desta dialéctica? “Em Shakespeare, temos Brecht e Beckett irreconciliados.” Brook procura um novo teatro isabelino, uma relação com o público necessária e ambiciosa. Serve-se de todos os meios disponíveis para chegar ao “teatro da alegria, da catarse, da celebração, da exploração, o teatro do sentido partilhado, o teatro vivo”. Estamos longe do ascetismo que a expressão “espaço vazio” sugere e a que se costuma reduzir o teatro de Brook. A imagem aparece no gesto de nomeação inicial (qualquer espaço pode ser um palco), mas só ocasionalmente reemerge ao longo do livro: o vazio é para preencher, com muito ou pouco, condição de possibilidade e não resultado.

[Expresso-Actual, 21.06.08]

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