segunda-feira, 23 de junho de 2008

No Dice 3

Depois de, num espaço de duas semanas, encontrar na rua por duas vezes e por acaso Pavol Liska (um dos directores do Nature Theater of Oklahoma), isto em duas cidades diferentes, não me surpreende que as coincidências relativas aos criadores de No Dice atinjam também a blogosfera portuguesa.
Foi assim que:
1. O Alexandre citou uma frase do jogador da Alemanha Lukas Podolski (ainda antes daquele cruzamento para o Schweinsteiger), que terá dito "O futebol é como o xadrez, mas sem os dados". Ora não tenho dúvidas de que depois de comparar os dois desportos, o jogador do Bayern de Munique se preparava para dissertar sobre o espectáculo dos Nature Theater (em inglês: "Football is like chess. But No Dice..."), que certamente não perdeu quando se apresentou em Novembro passado no festival Spielart da cidade onde trabalha - mas isto foi antes de ser boçalmente interrompido por praticantes do gotcha-jornalismo.
2. A Cristina citou primeiro em alemão e depois em tradução portuguesa o cartaz que figura no romance inacabado de Kafka e que dá o nome à companhia de Nova Iorque. Comparando com a tradução inglesa que o NTO apresenta no seu site, ao mesmo tempo explicitação da origem e manifesto, é fácil ficar intrigado com a ausência da palavra "nature" no original e em português (ou com a sua presença no inglês): fala-se só de "grande Teatro de Oklahoma", e não de "great Nature Theater of Oklahoma". Onde se terá metido o "Naturteater"? Uma breve e incompleta pesquisa ensinou-me que "Teatro Natural (?) de Oklahoma" é o título do capítulo do romance onde aparece o cartaz, só que foi dado por Max Brod e não por Kafka. Mas será que na versão editada por Brod aparece "Naturteater" no texto do cartaz, ou só no nome do capítulo? E Kafka não revisto fala alguma vez desta "natureza"? Ou será que o NTO fez esse acrescento mínimo à tradução, como quem não quer a coisa (e em quem inventou que havia uma versão de 11 horas do espectáculo não me espantaria esta pequena manipulação)? O que é certo é que Benjamin, no seu Kafka (Hiena, trad. Ernesto Sampaio) de que a Cristina também falou, dá importância exactamente a essa característica do Teatro de Oklahoma:
mau actor será quem, por não estudar devidamente o seu papel, se esquece das palavras ou dos gestos que a representação requer. Para os membros da companhia de Oklahoma, porém, esse papel é a vida precedente de cada um. Daqui a "natureza" deste teatro natural. Os seus actores são seres redimidos. (p. 63)
E não é No Dice, ao pôr em cena conversas telefónicas de membros da companhia com amigos e familiares, precisamente esse teatro da "vida precedente de cada um"? É aliás com estas palavras de Kelly Copper, a co-directora, que termina o artigo do New York Times citado abaixo: “'We are taking it as seriously as possible; it’s our life,' she said. 'If it is a joke, it’s a serious joke.'” Como o humor de Kafka.

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