- Monsieur, lui disait-il, l'une des choses qui m'ont le plus frappé dans ce voyage...
La duchesse était tout oreilles.
- ... Est la phrase que prononce le gardien de Westminster en vous montrant la hache avec laquelle un homme masqué trancha, dit-on, la tête de Charles Ier en mémoire du roi qui les a dit à un curieux.
- Que dit-il? demanda madame de Sérizy.
- Ne touchez pas à la hache, répondit Montriveau d'un son de voix où il y avait de la menace.
- En vérité, monsieur le marquis, dit la duchesse de Langeais, vous regardez mon cou d'un air si mélodramatique en répétant cette vieille histoire, connue de tous ceux qui vont à Londres, qu'il me semble vous voir un hache à la main.
Ces derniers mots furent prononcés en riant, quoiqu'une sueur froide eût saisi la duchesse.
- Mais cette histoire est, par circonstance, très neuve, répondit-il.
- Comment cela? je vous prie, de grâce, en quoi?
- En ce que, madame, vous avez touché à la hache, lui dit Montriveau à voix basse.
Balzac, La Duchesse de Langeais
É desta declaração de guerra que vem o título do último filme de Rivette, adaptação do romance de Balzac: está em itálico no livro e era mesmo o título com que ele chegou a ser publicado, antes de Balzac o mudar para La Duchesse de Langeais. Com uma pequena diferença: Montriveau diz (no livro e no filme) Ne touchez pas à la hache, mas o filme chama-se Ne touchez pas la hache. Sem sensibilidade suficiente ao francês para distinguir "toucher" como verbo transitivo directo e indirecto (embora em português também se possa "tocar o machado" e "no machado"), parece-me no entanto ser dupla a razão desta preposição a menos.
Por um lado, trata-se de cumprir a regra de Renoir segundo a qual o título do filme nunca deve ser pronunciado nos diálogos: nunca ninguém fala numa "regra do jogo" nem numa "grande ilusão"... E Rivette tem respeitado quase sempre este preceito (com pelo menos uma excepção: Secret Défense).
Por outro lado, talvez se mostre aqui a estratégia da adaptação. La Belle Noiseuse (a partir de Le chef-d'œuvre inconnu, também de Balzac) é o título do quadro que Frenhofer pinta na novela: a adaptação era portanto redução, mise en abyme e passagem do que pode ser lido para o que pode ser visto. Em Hurlevent, a partir de Emily Brontë, desaparece metade do título (Wuthering Heights/ Les hauts de hurlevent). Agora, em Ne touchez pas la hache, um duplo movimento que brinca com a (im)possibilidade de ser extremamente fiel: regressar filologicamente à origem, até antes da origem, ao primeiro título entretanto abandonado, sabendo no entanto que há uma falta no centro desse processo - um à minúsculo, uma pequena diferença.
1 comentário:
Gostei particularmente da ira contida com que Guillaume Depardieu pronuncia a frase fatal "madame, vous avez touché à la hache", que vai decidir a continuação do filme.
Um aspecto interessante deste filme é a forma esbatida como trata a relação entre vítima e agressor. Creio que essa frase está lá precisamente para realçar isso.
Enviar um comentário