sábado, 28 de abril de 2007

Não me quites, pá!

Tive durante muito tempo na mensagem do telemóvel (até a TMN mo apagar) o primeiro verso da canção do Brel, como quem diz "não desligues". Sinto-me portanto habilitado para rir e chorar com a menção feita à dita canção no Ípsilon de ontem, na entrevista a Camané: não só o título e o autor estão mal escritos como "l'ombre de ton chien" aparece traduzido por "o ombro do teu cão"!!! Entregando-se entrevistador e entrevistado à exegese da expressão, gostava de ver a que píncaros interpretativos chegariam com "l'ombre de ton ombre" ("o ombro do teu ombro"?) e "l'ombre de ta main" ("o ombro da tua mão"?).
Remexendo na ferida, aqui vai a citação completa:
É das canções de amor mais desesperadas que já alguém escreveu: "Deixa-me ser (...) [preocupação filológica com a elipse] o ombro do teu cão"...
Ele queria ser o ombro do cão dela porque [suspense] queria era estar ao pé dela [ombro a ombro], não queria que ela o deixasse [como quem abandona o ombro amigo de um cão]. E nessa fase da canção existe o desespero [que leva a dizer coisas de que depois nos arrependemos]: nem que seja uma mosca à tua volta, [que pousasse n'] o ombro do teu cão, qualquer coisa [desde que não tenha sentido], mas que eu possa estar ao pé de ti [é isso].
Eu gosto muito do Camané e de quase tudo o que escreve o João Bonifácio (o entrevistador). E é verdade que o que eles dizem, se assim parece um exercício surrealista, faria todo o sentido se a tradução estivesse certa. Mas tal como saiu é tão hilariante quanto deprimente, e esta ficará no top 3, (s)ombreando com a legenda que diz "Vamos fazer uma torrada" antes de os copos tilintarem (nunca vi, será lenda urbana?) e com outra que vi na encenação (e tradução) de Carlos Afonso Pereira da peça Fausto Morreu de Mark Ravenhill, onde uma personagem anunciava a sua saída com um "Estou fora daqui". Quem me dera.

9 comentários:

Anónimo disse...

E isso para já não falar no documentário que a RTP passou em tempos (início dos anos 80, creio) em que o mesmo Brel passa toda a canção a declarar o seu amor a uma JANELA: bela, morena, ...:

Nous étions deux amis et FANETTE m'aimait
La plage était déserte et dormait sous juillet
Si elles s'en souviennent les vagues vous diront
Combien pour la FANETTE j'ai chanté de chansons

Faut dire
Faut dire qu'elle était belle
Comme une perle d'eau
Faut dire qu'elle était belle
Et je ne suis pas beau
Faut dire
Faut dire qu'elle était brune
Tant la dune était blonde
....

MST, divertida mas irritada

Anónimo disse...

Ai Marieke, Marieke... Não sei se queria ter lido isto.

Amet disse...

Tb gosto muito de uma cena num filme em que dizem: "Let's watch Oprah" com a tradução: Vamos à opera.
p.s. sei que ainda não te enviei o texto.
abraços

Unknown disse...

que se lixe... a ignorância do camané, que confunde sombra com ombro, só me faz gostar ainda mais dele. pode-se amar uma canção sem conhecer com precisão as suas palavras. e lá estarei, na sombra uterina (expressão roubada ao pedro mexia) da plateia, para renascer com a sua voz.

Anónimo disse...

...e aqueloutro filme cuja legenda anunciava que alguém ia tirar o elenco da perna :D (cast)

FF disse...

MST, mv: pois é, dói.
Ana,
eu também gosto do Camané, mas a mim este erro faz-me gostar um bocadinho menos... O que provavelmente não tira nada à sua interpretação: diz o Bonifácio, em crítica onde já vem bem escrito o nome da canção, que é o momento alto da noite (e eu acredito).
Também vi o post do Mexia, mas é engraçado que ele fala de "escuridão" e não de "sombra uterina" - o que daria em camanês um "ombro uterino", metáfora bem mais original ;) É que agora estou mais sensível à palavra, porque mexe com o nome deste blog: fui investigar e parece que dá "Fábrica Escapular" - vou pensar nisso.
Aos restantes: aceitam-se mais sugestões, a melhor ganha um link para o Babel Fish!

Sofia Rodrigues disse...

Só uma opinião de quem lá esteve, o momento alto da noite foi mesmo via Tony de Matos, «O vendaval passou», que graças a Deus não precisa de qualquer tradução :-)

Anónimo disse...

Tu que és, digamos, fã do Shyamalan devias conhecer a que vem na caixa do dvd do Signs:
"O primeiro filme de extraterrestres feito de noite."
("M.Night Shyamalan's First Alien Film.")

Rodrigo Nogueira disse...

O Camané nunca soube falar estrangeiro e o João Bonifácio é das melhores pessoas a escrever em Portugal, é um deleite incrível lê-lo. Ainda bem que essa polémica já passou.