quarta-feira, 21 de março de 2007

Post de 10 de Fevereiro

O meu contributo para a campanha do referendo foi ter usado um pin durante um dia: depois ficou esquecido na camisola e só o recuperei depois da votação. Mas gostava de ter escrito na altura qualquer coisa como o que segue.
Pareceu-me claro que havia uma interferência entre duas opções dicotómicas: a IVG e a própria ideia de referendo. Num referendo só há duas hipóteses, sim ou não; com a IVG é o mesmo, ou se faz ou não se faz. Não há alternativas, zonas cinzentas, continuidades (ao contrário, por exemplo, da regionalização). A analogia entre duas escolhas de sim ou não (a pergunta e o assunto da pergunta) gera portanto uma confusão possível entre a decisão individual da mulher que pensa abortar e a decisão individual do eleitor a quem se pede uma opinião sobre a despenalização da IVG em determinadas circunstâncias.
O erro (histérico) de muitos defensores do não foi, em vez de se imaginarem legisladores (é o esforço ficcional que nos pede um referendo), alucinarem-se no lugar da mulher que vai ou não abortar: "Abortar por opção sabendo que já bate um coração?/ Não obrigada" - assim mesmo, no feminino (e sem vírgula, o que é outra conversa). [Uma variante de alguns “nãos” masculinos foi porem-se no papel do pai que não tem uma palavra a dizer, como se houvesse outro caminho que não a escolha da mulher em caso de empate…]
Para além disso, ao projectarem-se numa situação virtual concreta, os que votaram não construíram um “outro” demasiado esquemático e parecido com o “mesmo”: a imaginação não chega para tudo e não é possível inventariar todos os casos individuais de mulheres que põem a hipótese de abortar. É também desta alucinação que vem a ideia de que a opinião sobre a IVG é uma questão de consciência individual: é verdade, mas só para a mulher que está grávida. O transfert operado por muitos defensores do não, ao tentarem que a alteração do código penal de um país caiba no espaço de decisão de uma mulher fictícia, é de uma enorme violência para as mulheres reais.
[Como ainda se fala por aí de umas comissões de aconselhamento (mais uma vez, os representantes de uma máquina sem rosto a substituírem-se à decisão pessoal), talvez este texto venha a tempo de me fazer esquecer a história do pin.]

1 comentário:

Pedro Marques disse...

bem-vindo à blogosfera, caro francis!
boa e longa vida a postar, se quiseres votar o meu cantinho é o http://fora-de-cena.blogspot.com/, se quiseres coisas mais antigas, visita o http://bitaites.org/ onde já escrevo há cerca de um ano...
abraços
p