Carlo Goldoni
Peças Escolhidas I
Livros Cotovia, 2008,
trad. de Alessandra Balsamo, Jorge Silva Melo e José Colaço Barreiros,
288 págs.
Digressão, tradução/adaptação, produção: este primeiro de três volumes do teatro escolhido de Goldoni tem na diversidade de proveniência das traduções um gráfico expressivo da presença do dramaturgo em Portugal. O Servidor de dois amos parte da legendagem do espectáculo de Strehler que esteve em Almada em 1999 (eco das companhias italianas que no séc. XVIII trouxeram as suas peças na bagagem); A Estalajadeira, que era para ter sido o segundo espectáculo da Cornucópia, recupera a “riqueza teatral” de uma língua servindo-se de folhetos de cordel onde Goldoni foi amplamente traduzido “ao gosto português” (e tinha sido já publicada em 1973 na melhor colecção de teatro que por cá houve, a da Estampa/Seara Nova); finalmente, O Campiello é memória do espectáculo de 1997 da Malaposta em que o texto (perdendo o verso livre) foi estreado. As três peças permitem entrever como se fez a reforma teatral de Goldoni, da commedia dell’arte ao primeiro realismo burguês. Descontente com o resultado de produções feitas depois da estreia, Goldoni fixa em O Servidor de dois amos o que estava apenas esboçado, as improvisações dos primeiros actores, assinando-lhes a sentença de morte ao mesmo tempo que as faz perdurar. Perde-se o imprevisto da commedia, mas também a sua já excessiva codificação (o Teatro); ganha-se a possibilidade de abordar novas realidades (o Mundo), a “brisa nova” de que fala Silva Melo na introdução. A Estalajadeira faz isto mesmo: se a técnica é a da comédia (das mais perfeitas na sua relojoaria) há agora em cena ferros de engomar e chocolate quente, e a força de um papel feminino que a peça só de forma ambígua e convencional condena. Já o admirável Campiello, na rarefacção da sua intriga, tem por protagonista coral um bairro onde até a violência doméstica passa com a melancolia de um fim de festa.
[Expresso-Actual, 06.09.08]
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