tag:blogger.com,1999:blog-56253183764700153312024-02-21T06:30:34.875+00:00Fábrica Sombria"Tudo é susceptível de teatro." (Goldoni)FFhttp://www.blogger.com/profile/17447070454505945487noreply@blogger.comBlogger130125tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-62548496354909757892010-11-29T03:59:00.005+00:002010-11-29T04:08:35.350+00:00Elogio da terceira coisa<span style="font-weight: bold;">Jacques Rancière</span><br /><span style="font-style: italic;">O Espectador Emancipado</span><br />Orfeu Negro, 2010,<br />trad. José Miranda Justo,<br />192 págs.<br /><br />Conferência de 2004, “O Espectador Emancipado” era um segredo mal guardado das artes performativas: foi anexo de emails, pretexto de debates, epígrafe de programas. Numa área onde a produção de teoria é escassa, este é um texto central – e o seu maior contributo é o de desmontar a ideia de comunidade como <span style="font-style: italic;">a priori </span>do teatro. Para Jacques Rancière, a especificidade que nasceria da co-presença de actores e espectadores, tentando ingenuamente colmatar a separação que o teatro pressupõe, deve ser substituída por uma pluralidade de traduções (assentes na “igualdade das inteligências”) de uma “terceira coisa”, o espectáculo.<br />A emancipação do espectador seria assim não o anular de uma separação, o restabelecimento de uma união perdida (a ideia marxista de alienação) mas sim, como se diz no segundo texto deste livro (“As desventuras do pensamento crítico”), “uma experiência nova de vida e de capacidades individuais”. Numa época dominada pelo consenso, as “cenas de dissentimento” permitem uma rotura, uma redistribuição dos papéis atribuídos por uma “partilha policial do sensível”. O dissentimento é o ponto onde arte e política se encontram: se “a política começa quando há rotura na distribuição dos espaços e das competências”, a arte faz-se no “conflito de vários regimes de sensorialidade”. O regime representativo estabelecia uma continuidade entre a obra e a sua interpretação, e entre esta e o seu efeito ético; mas o regime estético que surge no século XVIII opera uma suspensão, uma desconexão destes laços entre ver, pensar e agir. É por isso que a antecipação dos efeitos das obras de arte é a maior armadilha em que pode cair uma arte política: os intervalos abertos pelas obras no regime estético são micropolíticas do sensível, mas os seus efeitos devem permanecer imprevisíveis. É um d’ “Os paradoxos da arte política”, o terceiro ensaio deste livro.<br />“A imagem intolerável” contribui para o debate em volta das fotografias de Auschwitz estudadas por Didi-Huberman. Contra os que invocaram a irrepresentabilidade da Shoah, Rancière desmantela a oposição entre palavra e imagem, testemunho e prova. E em “A imagem pensativa” procura descrever a pensatividade como a presença indecidível de várias “funções-imagens” na mesma superfície.<br />A tradução rigorosa de José Miranda Justo assegura felizmente o “valor de uso” deste livro fundamental, de argumentação límpida e conclusões produtivas. Mas é pena que a edição portuguesa opte por dar página própria às fotos ao alto, em vez de provocar – num livro feito de montagens e como queria Walter Benjamin – o confronto entre texto e imagem.<br /><br />[<span style="font-style: italic;">Expresso-Atual</span>, 27.11.10]FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-53941991197797028402010-02-06T03:53:00.004+00:002010-02-06T05:17:03.171+00:00Viva a nouvelle critiqueO <span style="font-style: italic;">Público</span> inventou a nova crítica de cinema: <span style="font-style: italic;">Invictus</span> tem direito a <a href="http://jornal.publico.clix.pt/noticia/05-02-2010/ha-carros-a-mais-em-invictus-um-filme-em-que-o-raguebi-que-se-joga-e-fraco-18718764.htm">uma página inteira</a> no P2 (acabaram-se as queixas sobre a falta de espaço para a crítica) e os autores concluem inequivocamente que "uma boa história, óptimos actores e um realizador com provas dadas" resultam num filme que "acabou por saber a pouco". Luís Miguel Oliveira, Mário Jorge Torres, arrumem as botas e os teclados. Não há mais nada que um espectador precise de saber antes de subir as escadas rolantes que vão do parque de estacionamento à bilheteira. É verdade que faltou a classificação de zero a cinco, mas não é difícil lá chegar: um carro de 2005 num filme que se passa em 1995, umas jogadas de râguebi inverosímeis e um envenenamento dos All Blacks que a intriga não contempla chegam para descontar três pontos, e um algoritmo simples diz-nos que este é um filme de duas estrelas (e acabam-se as <a href="http://diespinnen.blogspot.com/2010/02/fuga-para-vitoria.html">hesitações</a>). Adeus comentários histéricos no Ípsilon online, até à vista acusações de elitismo, finalmente uma crítica de cinema justa, objectiva, próxima do espectador. Mal posso esperar para ver o mesmo método infalível aplicado a uma encenação de Shakespeare, a um romance de Bolaño, a uma canção de Guillul. Deve ser por isto que não sai uma crítica de teatro há duas semanas: andam a contar erros, a comparar notas, a elaborar gráficos. Hurrah.FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-22528125888221279452009-08-06T16:40:00.002+01:002009-08-06T16:47:08.752+01:00"Crítica" vem de "crise"O recente pedido de desculpas do <span style="font-style: italic;">Público</span> ao Belenenses, em editorial, por causa de uma crítica de música de João Bonifácio é um sintoma da menoridade a que a actividade crítica neste jornal se encontra reduzida. É também um precedente inquietante (basta ler as recomendações tipo-ERC do Provedor sobre o caso), que choca ainda por dar razão à boçalidade, essa sim insultuosa, do mundo do futebol contra o (bom) humor do crítico e porque traz a assinatura de Nuno Pacheco, num gesto que destoa do seu habitual equilíbrio e surpreende em quem também faz crítica musical.<br />Mas, como disse, este caso é um sintoma apenas. Outro, a que a distância não rouba exemplaridade: há um ano, os dois mais importantes suplementos culturais, o <span style="font-style: italic;">Ípsilon</span> do <span style="font-style: italic;">Público</span> e o <span style="font-style: italic;">Actual</span> do <span style="font-style: italic;">Expresso</span>, davam capa e várias páginas (espraiando-se glamorosamente em reportagens e entrevistas) ao filme <span style="font-style: italic;">O Sexo e a Cidade</span>; mas no quarto dos fundos, no espaço reservado à crítica, o filme era recebido (nos dois casos) com bola preta. Um suplemento que ao saber desta opinião veemente dos seus colaboradores não põe por um segundo em causa o seu “critério jornalístico” vive um caso agudo de dupla personalidade, remetendo a crítica para um gueto onde incomode cada vez menos até que a personalidade dominante – a do marketing – ocupe por inteiro a consciência (nos filmes, quando isto acontece, já estamos no manicómio).<br />Na área do teatro, que por prazer e obrigação conheço melhor, o número de críticas mensais passou de seis para quatro: uma crítica por semana, 1,33 por mês para cada um dos críticos. O Festival de Almada teve apenas direito, este ano, a uma crítica e meia (mais uma se contarmos com o <span style="font-style: italic;">Demo</span> do Teatro Praga, visto quando o Festival já tinha acabado há uma semana); os “Dias das Histórias (Im)prováveis”, do Maria Matos, só duas – e só dos espectáculos estrangeiros, no que é aliás um reflexo dos destaques mais ou menos deslumbrados do <span style="font-style: italic;">Ípsilon</span>. É triste comparar esta parca colheita com a cobertura (diária mas nem por isso exaustiva) que o <span style="font-style: italic;">Libération</span> fez de Avignon, ou que o <span style="font-style: italic;">Guardian</span> costuma fazer de Edimburgo; ou que o próprio <span style="font-style: italic;">Público</span> reserva a festivais de cinema como o Indie ou os Docs, embora quase só da competição (porque há prémios e o crítico pode ver confortavelmente em casa os dvds?). Fora dos festivais, e fora de Lisboa, a situação é ainda mais deprimente, com dezenas de espectáculos talvez importantes a passarem sem deixar um rasto, uma memória para além da que os espectadores guardarão para si durante uns dias ou uns anos.<br />Mas se a preservação da memória é uma função da crítica, a mais urgente é o discurso (em) público sobre os objectos artísticos. Mais raras, as críticas que por acaso saírem serão cada vez mais mal escritas, e é provável que também os espectáculos vão ficando piores. A culpa é nossa, ensina-nos Godard: “Se um espectador me diz: ‘O filme que vi é mau’, eu digo-lhe: ‘A culpa é tua, pois o que é que fizeste para que o diálogo fosse bom?’” Sabemos que o <span style="font-style: italic;">Público</span>, como outros jornais do mundo inteiro, atravessa dificuldades financeiras. Mas ao diminuir o espaço e a frequência da crítica, ao desautorizá-la, os jornais perdem o que os distingue de outros meios de comunicação: o tempo e o espaço para reflectir, decifrar, discutir. A crítica como ainda (?) a conhecemos foi com os jornais que nasceu; e as “medidas de gestão” que a condenam é a sentença de morte dos jornais que simultânea e ironicamente assinam.<br />Não morreremos por causa disso. Como no final do <span style="font-style: italic;">Tio Vânia</span> de Tchékhov “Vamos viver uma longa, longa série de dias e de noites. Vamos com paciência suportar as provações que a nossa sorte nos infligir. Havemos de trabalhar para os outros, hoje e quando formos velhos, sem pararmos nunca.” Jornalistas, actores, realizadores, tradutores, músicos, cenógrafos, já sem empresários beneméritos nem apoios do estado, faremos outras coisas durante o dia, para ganhar a vida; e à noite passamos ao <span style="font-style: italic;">underground</span>, amadores todos, escrevendo em blogues, fazendo espectáculos em apartamentos, pegando em câmaras digitais. Ao menos não haverá cronistas na penúltima página a vociferar contra os subsídios. E o que hoje se faz de mais interessante em Nova Iorque, em Buenos Aires, não anda longe disto.<br />Mas enquanto ensaiamos esta clandestinidade futura, enquanto ainda podemos ocupar teatros, e dar concertos sem que os vizinhos se venham queixar, enquanto ainda há um resto de jornais e de crítica, podemos exigir: o jornal que eu quero ler tem críticas todos os dias – uma página inteira, sem contar com a publicidade; de teatro há-de haver uma página destas por semana, às vezes mais, outras menos; o suplemento também tem críticas, e não assobia para o lado na hora de decidir os destaques; os críticos serão ouvidos e respeitados, mas também eles criticados (embora não em editorial), para que escrevam mais e melhor, para que saibam mais e vejam e leiam mais; há-de haver um blogue de artes como no <span style="font-style: italic;">Guardian</span> onde se escrevem ainda mais textos porque já não cabem no jornal em papel; e isto que se diz para a crítica serve também para a reportagem e para a opinião. Dizem que “crítica” vem de “crise”, portanto o melhor é aproveitar agora. Quando houver um jornal assim, aí pode acabar o dinheiro à vontade, que será um final em beleza. Eu dava-lhe quatro estrelas.<br /><br />[<span style="font-style: italic;">Público</span>, 06.08.09]FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-23021883728848505022009-06-25T02:41:00.003+01:002009-06-25T03:02:25.139+01:00Poemas e filmes reloadedNão resisti a ir verificar, que a minha presunção não é tanta. E fui obviamente destemido, não tinha estaleca para tanto: se acertasse em todos os pormenores seria chato, um erro estaria bem, dois já é exagero. Pois pequei duplamente, uma das vezes por omissão, ambas na <span style="font-style: italic;">Comédia de Deus</span>, dos três filmes o que vi há mais tempo. É que o soneto de Camões é primeiro dito por JCM em off, com Rosarinho ao espelho e só depois lido por Joaninha; e não na cornucópia, o que seria demasiado retórico na junção do sublime e do abjeccionista (e "tudo o que é demais cheira mal"), mas na cena seguinte, numa mais prosaica retrete. Aqui ficam os <span style="font-style: italic;">stills</span>. Quanto a <a href="http://linha-dos-nodos.blogspot.com/2009/06/mais-palavras-e-imagens-para-juntar.html">Robert</a> <a href="http://pastoralportuguesa.blogspot.com/2009/06/sou-tao-prestavel.html">Browning</a>, não sei se é citado, mas a melhor referência que lhe é feita tem de ser a do <span style="font-style: italic;">Pierrot le fou</span>: "un poète qui s'appelle revolver."<br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhJ-xkitFq_1CjdzBLuv1xSFvW2IFLN6YKedtdEZNnX-GNyTBcLsHy6s0SX-7tRB6iOfvrj_UwG1I1uvbte3GnUae8WyRiuG0vImWM3cJTsLmuI1lMXLIU916V17brtHo2o2ZrE_PZz7uHu/s1600-h/sapatos.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer; width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhJ-xkitFq_1CjdzBLuv1xSFvW2IFLN6YKedtdEZNnX-GNyTBcLsHy6s0SX-7tRB6iOfvrj_UwG1I1uvbte3GnUae8WyRiuG0vImWM3cJTsLmuI1lMXLIU916V17brtHo2o2ZrE_PZz7uHu/s320/sapatos.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351079214349385570" border="0" /></a><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhKJJh0EY1Gpxjo_SQcMBcbLEU90v62Q9fRzG-5Be02-I0oMy1N9Dp3y4HflRxx7dk6yhN6ipyaM-0-gP6OJnNRd2tZnrmjOKSCmhLMDbfc8PYJT_lQ4YwwvLRSBmly5NG6yhOKlhk-EBDj/s1600-h/com%C3%A9dia+de+deus.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer; width: 320px; height: 180px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhKJJh0EY1Gpxjo_SQcMBcbLEU90v62Q9fRzG-5Be02-I0oMy1N9Dp3y4HflRxx7dk6yhN6ipyaM-0-gP6OJnNRd2tZnrmjOKSCmhLMDbfc8PYJT_lQ4YwwvLRSBmly5NG6yhOKlhk-EBDj/s320/com%C3%A9dia+de+deus.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351079216467839250" border="0" /></a><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhTA7QX172ut3kKsZ0UxyueOFVsZaQFPL9KUP9haAhvkG6Nwg1fLBPAalAY-JrBB9lEaLhgyqbEybrQd4KeNm2PDapMc6y3GtF4xIGAaIo0dzjKvNSqf2b8eYOVwJJL0L1GHq3ZCRjLQmi1/s1600-h/com%C3%A9dia+de+deus+2.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer; width: 320px; height: 180px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhTA7QX172ut3kKsZ0UxyueOFVsZaQFPL9KUP9haAhvkG6Nwg1fLBPAalAY-JrBB9lEaLhgyqbEybrQd4KeNm2PDapMc6y3GtF4xIGAaIo0dzjKvNSqf2b8eYOVwJJL0L1GHq3ZCRjLQmi1/s320/com%C3%A9dia+de+deus+2.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351079223300591954" border="0" /></a><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiKY_giQVK5di81IE2ddgpe-TtemWJ1od9S4RLfkKs2hRqgI05aQb_06H-V5xeF-L-jthZM9nhtVoaLGEwWiI5pw_0Ex33Wuga66nrULinSoI8I7NfR61bp1WGxygsYHMOVdZ7_d7kAuRzd/s1600-h/amour+par+terre.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer; width: 320px; height: 180px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiKY_giQVK5di81IE2ddgpe-TtemWJ1od9S4RLfkKs2hRqgI05aQb_06H-V5xeF-L-jthZM9nhtVoaLGEwWiI5pw_0Ex33Wuga66nrULinSoI8I7NfR61bp1WGxygsYHMOVdZ7_d7kAuRzd/s320/amour+par+terre.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351079227265662610" border="0" /></a>FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-51035075215172462612009-06-25T01:24:00.006+01:002009-06-25T03:25:39.714+01:00Filmes com poemas dentroAproveito que <a href="http://linha-dos-nodos.blogspot.com/2009/04/imagens-e-palavras-por-alguma-razao.html">esta lista</a> ganhou novo alento <a href="http://linha-dos-nodos.blogspot.com/2009/06/mais-palavras-e-imagens-para-juntar.html">aqui</a> e <a href="http://pastoralportuguesa.blogspot.com/2009/06/sou-tao-prestavel.html">aqui</a> para responder ao desafio:<br />- Primeiro lembrando que o soneto "Um mover d'olhos brando e piedoso" aparece em dois filmes do César Monteiro, alimentando assim a quota dos filmes portugueses: a primeira vez nos <span style="font-style: italic;">Sapatos de Defunto</span> (com o Luís Miguel Cintra dobrado pelo próprio João César a dizê-lo à Paula Bobone num café a dar para o Campo Grande) e a segunda na <span style="font-style: italic;">Comédia de Deus</span> (quem o lê é a miúda - Joaninha? - sentada na cornucópia de ovos).<br />- Depois acrescentando um Rivette: em<span style="font-style: italic;"> L'Amour par terre</span>, André Dussolier cita um excerto do poema de Verlaine do mesmo nome a Geraldine Chaplin, perante uma estátua de Cupido desfeita no chão.<br /><br /><span style="font-size:85%;">P.S. Como não fui verificar nada disto é provável que um ou vários pormenores estejam errados. Se estiverem não faz mal, chama-se a isto "to pull a Bénard da Costa" e é a minha homenagem.</span>FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-79513492130594984102009-06-21T18:12:00.001+01:002009-06-21T18:35:12.361+01:00Em cada rosto igualdade<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlMqc2TrHN0ihV2zQkG8Sk8Z24nm_c4SVLuvhY6Ms538ZU7x4jpqWX8bXR0j98h9yKAw2dXSxRMxn52J0M2PO3y-Jsw5VqfRUm8JPPwB0UtJTR9PFREwRi6HGYCmRMmGZTpXMd2SOikflc/s1600-h/Fotos-0601.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer; width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlMqc2TrHN0ihV2zQkG8Sk8Z24nm_c4SVLuvhY6Ms538ZU7x4jpqWX8bXR0j98h9yKAw2dXSxRMxn52J0M2PO3y-Jsw5VqfRUm8JPPwB0UtJTR9PFREwRi6HGYCmRMmGZTpXMd2SOikflc/s320/Fotos-0601.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5349835737538537650" border="0" /></a>FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-13701678918491003752009-06-16T02:28:00.003+01:002009-06-16T02:50:11.861+01:00EuropaAgora que é <a href="http://ruitavares.net/textos/e-oficial/">oficial</a>: Parabéns, Rui!<br />Desde que instalei o Google Reader que não fazia tantos refreshes obsessivos à espera de resultados.<br />Não esquecer de pôr na mala: roupa quente, boas ideias e algumas consoantes mudas!FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-49542905633249373592009-06-16T02:23:00.002+01:002009-06-16T02:27:10.365+01:00Irão<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://andrewsullivan.theatlantic.com/.a/6a00d83451c45669e2011571177d0d970b-500wi"><img style="margin: 0pt 10px 10px 0pt; float: left; cursor: pointer; width: 130px; height: 130px;" src="http://andrewsullivan.theatlantic.com/.a/6a00d83451c45669e2011571177d0d970b-500wi" alt="" border="0" /></a>FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-50154582164381530562009-03-06T03:05:00.003+00:002009-03-06T04:05:58.556+00:00AlegriaDesanuviando, e ainda no <a href="http://www.newyorker.com/reporting/2009/03/09/090309fa_fact_max?currentPage=all">artigo</a> da New Yorker sobre DFW:<br /><blockquote>The <a href="http://www.nytimes.com/2006/08/20/sports/playmagazine/20federer.html?_r=2&adxnnl=1&pagewanted=all&adxnnlx=1221847735-2CQFQ8FgR8O1iHhkhOJTHQ&oref=slogin">Federer piece</a> had brought him joy.</blockquote>Eu bem me <a href="http://usinesombre.blogspot.com/2008/09/descrever.html">parecia</a>.FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-45103000933097984812009-03-05T00:56:00.005+00:002009-03-05T02:39:00.282+00:00Alas, poor WallaceContinuo a tentar perceber como foi possível aquelas duas frases vindas do <span style="font-style: italic;">Inimigo Público</span> entrarem na <a href="http://ipsilon.publico.pt/livros/texto.aspx?id=224682#Comente">notícia</a> sobre o romance inacabado de Wallace. As "notícias" do IP partem de uma dupla verosimilhança:<br />1) "se não aconteceu, podia ter acontecido": a base para a criação das notícias falsas são factos que o leitor já é suposto conhecer; joga-se portanto no campo dos possíveis, levados embora a um extremo que normalmente lhes denuncia a falsidade (e as torna cómicas);<br />2) são escritas como as outras notícias, usam o mesmo vocabulário, o mesmo estilo, a mesma distribuição convencional da informação.<br />A uma leitura apressada e descontextualizada (fora do IP, talvez mesmo no Bibliotecário de Babel que a <a href="http://bibliotecariodebabel.com/geral/humor-negro-mas-mesmo-muito-negro/">citou</a>), talvez não espante portanto demasiado que o texto de Vítor Elias sobre o suicídio de Wallace parecesse a Sérgio C. Andrade uma fonte legítima: parecia uma notícia, cheirava a notícia, tinha de ser uma notícia.<br />Mas acho que há qualquer coisa aqui que continua a perturbar, que ultrapassa o riso ou o escândalo perante o jornalista que cometeu um erro (acontece a todos). Aristóteles preferia para a tragédia o verosímil ao verdadeiro: mais valia a mentira verosímil do que a verdade inverosímil. E o que me apetece concluir é que a mesma tentação espreita as notícias - não as do <span style="font-style: italic;">Inimigo Público</span>, todas as notícias. A piada do IP entra na notícia do P2 porque a sua verosimilhança é irresistível, aqueles pormenores encaixam tão perfeitamente na história da vida de David Foster Wallace que têm de ser verdade. São aliás tão "exemplares" que hão-de fechar a notícia em grande estilo. O texto do IP ainda estende a Sérgio C. Andrade uma tábua de salvação: um bilhete de suicídio de 300 páginas, mesmo para quem escreveu romances tão compridos? saltar de cima de um livro em vez de usar um banco? Mas a cegueira do jornalista (a sua <span style="font-style: italic;">hybris</span>) não o deixa olhar para trás. Aceita as 300 páginas e treslê a presença do livro, domesticando-a: o livro deixa de <span style="font-style: italic;">ser</span> o banco para passar a estar <span style="font-style: italic;">em cima</span> do banco, mantendo-se a narrativa psicológica do bloqueio do escritor que não sabia como continuar depois do grande romance (Bastava ter lido o <a href="http://www.newyorker.com/reporting/2009/03/09/090309fa_fact_max?currentPage=all">artigo da <span style="font-style: italic;">New Yorker</span></a> até ao fim para saber que o que havia era uma cadeira, e que o bilhete tinha duas páginas.)<br />Tudo isto é muito mórbido e triste. Não vale a pena pessoalizar demasiado o caso, parece-me acima de tudo um sintoma. Não do estado do Público ou do jornalismo português, mas do poder que têm as formas fechadas e arrumadas, com aristotélicos princípio, meio e fim, mesmo para essa escrita por definição inacabada e todos os dias recomeçada que é a da imprensa. Nada que não soubéssemos, afinal. Aqui, o jornalista escolheu a coerência da sua pequenina narrativa de 3000 caracteres, escrita a partir de uma leitura apressada (com mais atenção perceberia que a própria <span style="font-style: italic;">New Yorker</span>, tal como a <span style="font-style: italic;">Harper's Bazaar</span>, já tinham publicado capítulos do romance inédito), contra a complexidade do real, essa coisa que escapa por entre as mãos e que é tão difícil de enfiar em meia página de jornal. Terrível tentação, que transformou uma vida numa caricatura e uma morte numa anedota.<br /><br /><br />[<span style="font-style: italic;">Update</span>: no site do Ípsilon já lá não está a frase sobre as 300 páginas, mas continua a do <span style="font-style: italic;">Infinite Jest</span> em cima do banco. Saiu o mais obviamente excessivo, o que havia de grotesco no texto do IP; ficou o "pormenor significativo" deste psicologismo de pacotilha. Parece que a protagonista do primeiro romance de DFW desconfia que é uma personagem de romance; aqui, DFW foi transformado na personagem de uma notícia mal feita, o que é bem pior.]FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-1897600526534677892009-03-03T18:00:00.010+00:002009-03-06T04:07:49.502+00:00O Público hoje está espectacularNo P2, no texto (com chamada de capa) sobre o fabrico de queijo da Serra <span style="font-style: italic;">kosher</span> escreve-se isto:<br /><blockquote>E aquilo que em Israel é visto como o apelo das origens ou a procura do reencontro com as suas raízes ancestrais, para José Braz parece ter surgido apenas como uma oportunidade de incremento da facturação. Será essa, porventura, a mais firme revelação da sua costela judaica [...]</blockquote>Será esta, porventura, uma piada anti-semita?<br />Mas o melhor é quando as piadas, para além de serem más, nem sequer sabem que são piadas. No <a href="http://ipsilon.publico.pt/livros/texto.aspx?id=224682#Comente">artigo</a> sobre o romance inédito de David Foster Wallace (também com chamada de capa) dá-se como boa uma notícia do <span style="font-style: italic;">Inimigo Público</span> (!) que o <a href="http://bibliotecariodebabel.com/geral/humor-negro-mas-mesmo-muito-negro/#comments">Zé Mário</a> tinha referido na altura, e que serve de fonte para as últimas duas frases do texto:<br /><blockquote>No dia 12 de Setembro de 2008, enforcou-se na sua casa, saltando de um banco em cima do qual tinha colocado um exemplar de <span style="font-style: italic;">Infinite Jest</span>. Na secretária ao lado, segundo o relato de Karen Green, tinha deixado um "bilhete" para justificar o suicídio, com... 300 páginas.</blockquote>Really?FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-31532421645455033442009-01-27T00:25:00.002+00:002009-01-27T00:31:08.780+00:00Fora de Serviço<a href="http://umblogsobrekleist.blogspot.com/2009_01_01_archive.html#2165898219738668808">Comigo</a> não foi preciso esperar uns dias. Quando vi o espectáculo anterior dos ERS no Teatro Nacional de Bruxelas, uma voz anunciava qualquer coisa como: "<span style="font-style: italic;">GATZ</span>, pelo Elevator Repair Service, vai começar dentro de 5 minutos no segundo andar. Pedimos aos espectadores para utilizarem as escadas, já que o elevador está avariado."FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-29152030837001942672009-01-01T20:10:00.009+00:002009-03-06T04:08:19.338+00:00Ano novo<span>Lido no enterro de Pinter, tão bem descrito </span><a href="http://www.guardian.co.uk/culture/2009/jan/01/pinter-theatre">aqui</a><span>.</span><br /><span style="font-size:100%;">Para o Olímpio (já passou um ano). E para alguns mais.</span><br /><blockquote>What we call the beginning is often the end<br />And to make an end is to make a beginning.<br />The end is where we start from. And every phrase<br />And sentence that is right (where every word is at home,<br />Taking its place to support the others,<br />The word neither diffident nor ostentatious,<br />An easy commerce of the old and the new,<br />The common word exact without vulgarity,<br />The formal word precise but not pedantic,<br />The complete consort dancing together)<br />Every phrase and every sentence is an end and a beginning,<br />Every poem an epitaph. And any action<br />Is a step to the block, to the fire, down the sea's throat<br />Or to an illegible stone: and that is where we start.<br />We die with the dying:<br />See, they depart, and we go with them.<br />We are born with the dead:<br />See, they return, and bring us with them.<br />The moment of the rose and the moment of the yew-tree<br />Are of equal duration. A people without history<br />Is not redeemed from time, for history is a pattern<br />Of timeless moments. So, while the light fails<br />On a winter's afternoon, in a secluded chapel<br />History is now and England.</blockquote><span style="font-weight: bold;">T. S. Eliot</span>, "Little Gidding", <span style="font-style: italic;">Four Quartets</span>FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-68253269880425747882008-12-31T19:06:00.011+00:002009-01-01T03:46:50.951+00:00Prémios da vida paralela 2008Ainda vai muito a tempo (faltam algumas horas) este singelo, provisório e esburacado balanço de blogo-coisas.<br /><ul><li><span style="font-weight: bold;"><a href="http://diespinnen.blogspot.com/">La</a> <a href="http://umblogsobrekleist.blogspot.com/">Bande</a> <a href="http://letradeforma.blogs.sapo.pt/">des</a> <a href="http://www.last-tapes.blogspot.com/">Quatre</a></span>, e não só por causa do Rivette</li><li><span style="font-weight: bold;">Bola d'Ouro</span>: a <a href="http://pastoralportuguesa.blogspot.com/2008/02/james-joyce-flash-interview.html">flash interview</a> a James Joyce, what else?</li><li><span style="font-weight: bold;">Plano-sequência</span>, ex-aequo: <a href="http://estadocivil.blogspot.com/">aqui</a> sobre Pavese, <a href="http://olamtagv.wordpress.com/">ali</a> sobre <span style="font-style: italic;">Aquele Querido Mês de Agosto</span> (a que eu gosto de chamar só o <span style="font-style: italic;">Querido</span>, em homenagem ao programa da SIC Mulher)</li><li><span style="font-weight: bold;">Qual Babel? O Babel</span>, <a href="http://bibliotecariodebabel.com/">este</a>, o imprescindível</li><li><span style="font-weight: bold;">Não é por ser meu primo</span>, ou <a href="http://caixadecostura.blogspot.com/2008/12/natal.html">the truth is out there</a></li><li><span style="font-weight: bold;"><a href="http://anaturezadomal.blogspot.com/">Algumas</a> <a href="http://www.vontade-indomita.blogspot.com/">ausências</a> da <a href="http://acotedelaplaque.blogs.sapo.pt/">lista</a> de <a href="http://avatares-de-desejo.blogspot.com/">links</a></span>, descobertas antigas ou recentes, explicáveis apenas pela minha preguiça e pela obsessão compulsiva que me faz clicar repetidamente no mesmo blog onde já vi que não havia posts novos em vez de me aventurar para lá do terreno conhecido</li></ul>FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-16994275332533666692008-12-30T04:03:00.004+00:002008-12-30T05:33:52.216+00:00Pinter 3Uma nota final. Num <a href="http://abrilemmaio.no.sapo.pt/Textos-EZ-JSM.htm">texto</a> de 2000 para a Abril em Maio, depois de comparar a produção cultural à produção de manteiga ("uma imagem de mau-gosto"), Jorge Silva Melo dizia: "um esquerdista não é suposto ter boas imagens, antes pelo contrário é suposto ser grosseiro". Esta era a vantagem do Pinter activista e militante (que também se lê nos poemas de <span style="font-style: italic;">Guerra</span>): a fúria imprecatória com que chamava as coisas pelos nomes, sem subtilezas. Não será a única forma de participação política, mas faz falta e é exposta com <a href="http://www.haroldpinter.org/home/index.shtml">lapidar clareza</a> quando olha para uma afirmação de 1958<br /><blockquote>Não há distinções rígidas entre o que é real e o que é irreal, nem entre o que é verdadeiro e o que é falso. Uma coisa não é necessariamente ou verdadeira ou falsa; pode ser simultaneamente verdadeira e falsa.</blockquote>desta maneira<br /><blockquote>Acredito que estas asserções ainda fazem sentido e ainda se aplicam à exploração da realidade através da arte. Portanto enquanto escritor defendo-as, mas enquanto cidadão não posso. Como cidadão tenho de perguntar: O que é verdadeiro? O que é falso?</blockquote>É esta nitidez de pensamento que lhe permite por exemplo dizer, num discurso contra a política externa dos Estados Unidos e a Grã Bretanha, e quase três anos antes das bombas no metro de Londres, "o Primeiro Ministro não anda de metro". Demagógico, panfletário? Com certeza.<br />A propósito: numa altura de pesadelos recorrentes, em que Santana Lopes decide voltar a candidatar-se à Câmara de Lisboa, vale a pena lembrar a <a href="http://www.artistasunidos.pt/projecto_popup/projecto_popup11.htm">cartinha</a> que Pinter lhe escreveu a propósito do <a href="http://www.artistasunidos.pt/projecto.htm">fecho d'a Capital</a>, que qualifica de "shocking" e "inexplicable" - adjectivos que se adequam na perfeição à recandidatura de PSL.FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-53103459072471123372008-12-30T03:21:00.006+00:002008-12-30T05:00:58.913+00:00Pinter 2Pinter é um daqueles escritores em quem é fácil apontar fases sem errar demasiado: há o teatro da ameaça (<span style="font-style: italic;">Feliz Aniversário</span>), o da memória (<a href="http://www.artistasunidos.pt/ha_tanto_tempo.htm"><span style="font-style: italic;">Há Tanto Tempo</span></a>) e o político (<span style="font-style: italic;">Língua de Montanha</span>). Estabelecidos os períodos cronologicamente convém dar início à releitura e perceber o que havia já de político nas primeiras peças; ou como um aparente divertimento como <a href="http://www.artistasunidos.pt/amante.htm">O Amante</a> se transfigura à luz das <a href="http://www.artistasunidos.pt/traicoes.htm">Traições</a>. Por isso foi tão importante o ciclo que os Artistas Unidos dedicaram ao autor entre 2001 e 2003 (antes do Nobel!). E fazer modestamente parte desse trabalho (traduzindo, revendo, conversando, transcrevendo, editando) foi importante para mim. Foi com <span style="font-style: italic;">O Encarregado</span>, por exemplo, que percebi como a tradução de teatro tem que ver com o espaço, não são só letras num ecrã ou num papel: "that" pode ser "isso" ou "aquilo", e para saber qual é preciso saber onde é que estão os actores. E Pinter é talvez o autor que melhor domina o seu ofício, tudo bate certo, os tempos, as deslocações, os adereços.<br />Por isto foi o único Nobel com que fiquei mesmo contente (Saramago who?). Em Junho de 2005, ainda antes do dito (mas já depois de eu sair dos AU), o espectáculo <a href="http://www.artistasunidos.pt/conferencia_imp_outrasaldrabices.htm"><span style="font-style: italic;">Conferência de Imprensa e Outras Aldrabices</span></a> - com novos textos breves de autores como Enda Walsh, Jon Fosse, José Maria Vieira Mendes, Juan Mayorga, Spiro Scimone e Miguel Castro Caldas, entre outros, tendo por mote um sketch de Pinter - foi uma das mais fortes e originais homenagens que se fizeram ao autor, e isto pensando em termos internacionais. [Razão portanto para lembrar a forma infame como os resultados financeiros do espectáculo foram utilizados pelo Ministério da Cultura para demitir um director do Teatro Nacional.]<br />A verdade é que, como escreveu Jorge Silva Melo no <span style="font-style: italic;">Público</span>, a influência de Pinter se faz sentir em muitos dos melhores dramaturgos que surgiram nas últimas décadas, de Sarah Kane a Scimone, Fosse e Crimp. E isso vai durar. A última prova que vi foi na ópera <span style="font-style: italic;">Outro Fim</span>, de Pinho Vargas/Vieira Mendes. A didascália inicial diz "Talvez três espaços que se possam ver em simultâneo. Casa de Irmão e Cunhada, casa de Mulher e Mãe, e entre estes dois o café onde as restantes cenas acontecem." Como não ver neste espaço tripartido, que concilia público e privado, uma reminiscência daquilo que Pinter propõe para <a href="http://www.artistasunidos.pt/a_coleccao.htm"><span style="font-style: italic;">A Colecção</span></a>, com uma cabine telefónica ladeada pelas casas de Harry e James? A <a href="http://ipsilon.publico.pt/musica/critica.aspx?id=209155">crítica</a> de Cristina Fernandes a <span style="font-style: italic;">Outro Fim</span><span>, ao sugerir um arranjo "em patamares", passa ao lado </span>de uma ligação (inconsciente?) que, na minha memória, as cenografias dos espectáculos de Artur Ramos e André e. Teodósio só vêm reforçar. Que maior curto-circuito no teatro português poderíamos imaginar? É a Pinter que temos de agradecer.FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-57203665342661820112008-12-30T02:32:00.002+00:002008-12-30T03:21:40.703+00:00Pinter 1O excerto abaixo é aquele de que me lembro logo quando penso na peça que traduzi para o <a href="http://www.artistasunidos.pt/o_encarregado.htm">espectáculo</a> dos Artistas Unidos e para a edição da Relógio d'Água. Talvez porque põe o problema do título do texto, uma das dificuldades com que um tradutor de Pinter muitas vezes se confronta. Como transpor <span style="font-style: italic;">The Dumb-Waiter</span>, ou <span style="font-style: italic;">Old Times</span>, ou <span style="font-style: italic;">Ashes to Ashes</span>? <span style="font-style: italic;">The Caretaker</span> já foi <span style="font-style: italic;">O Porteiro</span> em português (e não está errado, apesar de em inglês também haver "porter" e "doorman"), mas é <span style="font-style: italic;">Le Gardien</span> em francês, <span style="font-style: italic;">El Cuidador</span> em espanhol, no Brasil <span style="font-style: italic;">O Zelador</span> (foi a minha primeira hipótese) - tudo substantivos que denotam uma função mas a que se associa ainda um verbo que é importante para peça (guardar, cuidar, zelar: "take care"), e isso "porteiro" não dá. A vantagem de "encarregado" está precisamente neste excerto: é um termo flexível (permite o verbo) e vago (encarregado de quê?), como vaga é a proposta de emprego que primeiro Aston e depois Mick fazem a Davies. É muito português, um cargo tão importante na aparência quanto vazio. (Quem pensou nele primeiro? Já não me lembro.)<br />Esse vazio é o que mais se vê nesta troca. Há três das famosas "pausas de Pinter", mas são muitas mais as hesitações, os becos sem saída. A linguagem revela-se como coisa sem fundo, sem referente, no exacto momento em que se diz "é aí que eu quero chegar" (ou "exactamente", ou "tá-me a compreender"). Tudo é fórmula, automatismo, e a compensação disso através de termos extremamente concretos (campainhas de latão, uma vassoura) só contribui para reforçar o sem-sentido (e o humor). Não há aqui o clima de ameaça que faz a assinatura de Pinter, mas isto também é pinteriano: a angústia perante o lixo abissal da linguagem.<br />Tudo isto é tão palpável que dói, na cena tal como a filmou Clive Donner em <a href="http://www.imdb.com/title/tt0058164/">1963</a>. No YouTube só encontrei outro excerto, com os geniais Alan Bates e Donald Pleasence (e aí sim, temos o Pinter da ameaça em toda a sua glória, tão cómico quanto inquietante). Mas Robert Shaw, que faz de Aston e portanto não se vê <a href="http://www.youtube.com/watch?v=LnhNrpzTh0g">aqui</a>, rouba o filme. (É uma peça de actores: dependendo do elenco, torna-se muito facilmente a peça de Mick, ou a de Aston, ou a de Davies).FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-77876927621513030222008-12-26T02:08:00.004+00:002009-03-06T04:06:39.418+00:00É aí que eu quero chegar<span style="font-weight: bold;"></span><blockquote><span style="font-weight: bold;">Aston</span> Você podia ser… o encarregado disto, se quisesse.<br /><span style="font-weight: bold;">Davies</span> O quê?<br /><span style="font-weight: bold;">Aston</span> Podia… tomar conta do sítio, se quisesse… sabe, as escadas e o patamar, os degraus da entrada, ficar de olho nisso. Arear as campainhas.<br /><span style="font-weight: bold;">Davies</span> Campainhas?<br /><span style="font-weight: bold;">Aston</span> Vou colocar algumas, lá em baixo, junto à porta da rua. Latão.<br /><span style="font-weight: bold;">Davies</span> Encarregado, hã?<br /><span style="font-weight: bold;">Aston</span> Sim.<br /><span style="font-weight: bold;">Davies</span> Bom, eu… eu nunca me encarreguei assim dum sítio, sabe… quero eu dizer… nunca… o que eu quero dizer é que… inda nunca fui encarregado.<br /><span style="font-style: italic;">Pausa.</span><br /><span style="font-weight: bold;">Aston</span> O que é que acha de ser, então?<br /><span style="font-weight: bold;">Davies</span> Bom, admito… Bem, ia ter de saber… sabe…<br /><span style="font-weight: bold;">Aston</span> Que tipo de…<br /><span style="font-weight: bold;">Davies</span> Pois, que tipo de… sabe…<br /><span style="font-style: italic;">Pausa.</span><br /><span style="font-weight: bold;">Aston</span> Bom, quer dizer…<br /><span style="font-weight: bold;">Davies</span> Quer dizer, ia ter de… ia ter de…<br /><span style="font-weight: bold;">Aston</span> Bom, eu podia dizer-lhe…<br /><span style="font-weight: bold;">Davies</span> É… é isso… percebe… tá-me a compreender?<br /><span style="font-weight: bold;">Aston</span> Quando chegar a altura…<br /><span style="font-weight: bold;">Davies</span> Quer dizer, é aí que eu quero chegar, percebe…<br /><span style="font-weight: bold;">Aston</span> Mais ou menos exactamente o que é que…<br /><span style="font-weight: bold;">Davies</span> Percebe, o que eu quero dizer… onde eu quero chegar é… quer dizer, que tipo de tarefas…<br /><span style="font-style: italic;">Pausa.</span><br /><span style="font-weight: bold;">Aston</span> Bom, há coisas como as escadas… e as… as campainhas…<br /><span style="font-weight: bold;">Davies</span> Mas ia ser coisa para… não ia… ia ser coisa para uma vassoura… não é?</blockquote><span style="font-weight: bold;">Harold Pinter</span>, <span style="font-style: italic;">O Encarregado (The Caretaker)</span>FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-1174780682262477942008-12-07T19:08:00.003+00:002008-12-10T17:53:01.013+00:00WalshómetroLido o que se diz sobre <span style="font-style: italic;">Hunger</span> no <span style="font-style: italic;">Ípsilon</span> e no <span style="font-style: italic;">Actual</span> deste fim-de-semana (onde se destacam os belos textos de <a href="http://ipsilon.publico.pt/cinema/filme.aspx?id=216660">Luís Miguel Oliveira</a> e de <a href="http://ipsilon.publico.pt/cinema/texto.aspx?id=217803">Óscar Faria</a>) podem-se contabilizar exactamente zero referências ao contributo do co-argumentista Enda Walsh - ainda bem, de contrário lá se ia a minha teoria. Quem chega mais perto, guinando no último cruzamento possível, é Óscar Faria, que chama a atenção para um desejo impossível de McQueen: ter Beckett como argumentista. A verdade é que entre os vivos, e na categoria "dramaturgo irlandês", não lhe podia ter saído na rifa ninguém melhor que Enda Walsh (é aliás curiosa a vontade de trabalhar com um dramaturgo e não com um argumentista).<br />Quase todos os textos reparam e bem na cena da conversa entre Sands e o padre. Mas vale talvez a pena corrigir o seguinte: embora só tenha visto o filme uma vez, posso garantir que, ao contrário do que escreve <a href="http://ipsilon.publico.pt/cinema/texto.aspx?id=217817">José Marmeleira</a> no <span style="font-style: italic;">Ípsilon</span>, essa conversa não é "filmada num único <span style="font-style: italic;">take</span> de 20 minutos". Há de facto um longo plano fixo de conjunto, mas a partir de certa altura (julgo que quando Sands começa a contar a história de infância com o potro moribundo) a <span style="font-style: italic;">découpage</span> passa a ser feita em campo-contracampo, com planos aliás bastante apertados. Porque é que isto é importante? Acho que há qualquer coisa de pragmatismo inglês nesta procura de "sujar" com um pouco de bom-senso uma decisão formal arriscada: quando a psicologia exige, o que é que pode ser melhor que um grande-plano?FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-87400218090651965632008-12-04T03:38:00.002+00:002008-12-04T04:21:51.971+00:00Um blog sempre em cima do acontecimentoNão fazia ideia que <span style="font-style: italic;">Hunger</span> ia estrear agora, o meu objectivo era escrever com imenso atraso um post que estava pensado desde os Docs. Que procrastinar pode ser uma forma de antecipação, eis uma lição que espero não levar demasiado a sério. O que importa é que assim somos mais a ver e a falar sobre o filme. É ver como o Luís <a href="http://diespinnen.blogspot.com/2008/12/o-prazer.html">ilumina</a> a conversa entre Sands e o padre ao lê-la à luz do prazer - o prazer do tabaco, mas já agora também o da conversa humana, franca, irónica e combativa, num filme onde o verdadeiro adversário é uma voz (a de Thatcher) que não tem corpo - e Sands ganha ao perder o seu.<br />Quando disse que os críticos tinham omitido o Enda Walsh <span style="font-style: italic;"></span>não estava só a pensar na importância do argumento, embora ache que esse seja um dos pontos fortes do filme: o modo por exemplo como esse plano fixo da conversa divide estruturalmente o filme entre a abjecção palpável do "dirty protest" e a abstracção a tender para o incorpóreo da greve da fome; o modo como só chegamos a Bobby Sands em plena e brutal acção, depois de acompanhar primeiro um homem que mergulha as mãos no lavatório e depois um prisioneiro recém-chegado, numa gestão da informação (isto é, da narrativa) que espreme tudo o que pode de cada pormenor, mostrando sem dizer, fazendo fé na curiosidade do espectador. Sim, não é, na sua rarefacção, um filme "sobre", mas não deixa por isso de ser menos político.<br />O que me pareceu mais digno de nota foi detectar os efeitos da assinatura de Walsh para lá do argumento: a materialidade táctil, a clausura como destino voluntário. Não para pôr em causa a autoria/autoridade de McQueen, mas para generalizar um pouco a política dos autores - nada de muito novo, mas talvez importante neste caso. E já agora: não terá o actor que interpreta Bobby Sands, Michael Fassbender, algo a reivindicar em matéria de direitos de autor, ele próprio dono do seu emagrecimento, <span style="font-style: italic;">body artist</span>, "artista da fome"? Suspeito que estamos aqui além (ou aquém) do <span style="font-style: italic;">Method Acting</span>.FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-52935988413022242272008-12-04T03:08:00.005+00:002008-12-04T03:38:38.993+00:00Mon beau souciSem o dvd à mão (e com o natal a aproximar-se talvez valha a pena deixar aqui a indicação subtil) nem pude confirmar se o <a href="http://last-tapes.blogspot.com/2008/12/as-frases-que-eu-guardei.html">último plano</a> de <span style="font-style: italic;">Ne touchez pas la hache</span> era aquele que eu pensava. O corte abrupto (à machadada) parece estar ali para não dar a Montriveau a paz da contemplação - nem a nós. Gosto muito que num cinema (o de Rivette) onde o que normalmente se preza é a arte da <span style="font-style: italic;">mise en scène</span> tenhas destacado um gesto de montagem.<br />Faz-me lembrar uma frase do Straub chegada há uns tempos por mail (lembras-te, João? acho que, malcriado, nem te respondi...) e que agora reencontrei num texto do <a href="http://www.jonathanrosenbaum.com/?p=6946">Rosenbaum</a>. E vai mesmo assim em inglês, que não lhe conheço a circunstância: “A lot of people think that Eisenstein is the greatest editor, because he has some theories about it, but this is not true. Chaplin was greater, I think, in editing, only it is not so obvious. Chaplin was more precise than Eisenstein, and the man after Chaplin who is the most precise is surely Rivette.” Acho que percebo a subversão implícita: Chaplin em vez de Eisenstein, e Rivette em vez de... Godard, claro. Chamar a atenção para a montagem em Rivette (para além de fazer justiça a outra pessoa chamada Lubtchansky, a montadora Nicole) é pensar na colisão do heterogéneo nos seus filmes: as sequências em 16mm e 35mm em <span style="font-style: italic;">L'Amour Fou</span>; os instantâneos da versão longa que interrompem <span style="font-style: italic;">Out 1: Spectre</span>; as cenas dentro e fora da casa parada no tempo em <span style="font-style: italic;">Céline et Julie</span>; as sessões de pose e o seu exterior em <span style="font-style: italic;">La Belle Noiseuse</span>; o teatro e a vida em <span style="font-style: italic;">Amour Fou</span>, <span style="font-style: italic;">La Bande des quatre</span>, <span style="font-style: italic;">Va Savoir</span>... Em cada um dos filmes é do choque entre as duas séries paralelas de imagens que nasce a duração. E muitas vezes as versões curtas, sacrificando a heterogeneidade, parecem mais longas.<br />Mas isto faz pouco para explicar porque é que perdemos o fôlego no mar daquele último segundo.FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-15341702087779369892008-12-03T03:41:00.010+00:002008-12-11T00:13:39.652+00:00Política dos Autores<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://www.timeoutsydney.com.au/film/reviews/large-hunger30.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer; width: 400px;" src="http://www.timeoutsydney.com.au/film/reviews/large-hunger30.jpg" alt="" border="0" /></a><br />"Imagino que vocês se estejam nas tintas para o teatro. Nunca lá vão?" Quem pergunta é Louis Garrel, entrevistado nos <span style="font-style: italic;">Cahiers du Cinéma</span> de Julho-Agosto. Resposta dos entrevistadores: "Pouco, infelizmente."<br />Vem isto a propósito de <span style="font-style: italic;">Hunger</span> de Steve McQueen, sobre a greve de fome de Bobby Sands. Nos <span style="font-style: italic;">Cahiers</span> de Novembro, o filme é lido, com toda a legitimidade, a partir das obras anteriores do artista - em vídeo ou em película, mas destinadas à galeria e não às salas comerciais de cinema. <span style="font-style: italic;">Hunger</span> é o seu primeiro filme para esse espaço de apresentação, e a diferença (di-lo o próprio) é que teve de ter em conta os requisitos da narrativa. Não deixa por esta mesma razão de ser estranho que passe sem menção alguma o co-argumentista do filme, Enda Walsh. Por cá, no <a href="http://ipsilon.publico.pt/Cinema/texto.aspx?id=218193">artigo</a> do <span style="font-style: italic;">Ípsilon</span> que destacava com justiça o filme como um dos pontos altos do DocLisboa, citava-se o nome de Walsh, mas sem sequer referir a sua outra "ocupação", e as peças suas que os Artistas Unidos já traduziram e encenaram. É que Walsh é o mais importante dramaturgo irlandês contemporâneo, bem mais interessante que Connor McPherson, Martin McDonagh ou Mark O'Rowe. E se formos capazes de por um momento olhar para os filmes sem os óculos dogmáticos da Política dos Autores (só por um momento, que são óculos de ver ao longe e de ver ao perto), ou, dito de outro modo, se formos mais ao teatro, talvez seja possível pensar <span style="font-style: italic;">Hunger</span> também à luz da obra de Enda Walsh.<br />Algumas pistas:<br />1. McQueen fala muito da qualidade táctil das suas imagens, a materialidade que faz com que ver o filme seja uma experiência dos sentidos que ultrapassa o audiovisual. Mas não haverá algo dessa qualidade ("visceral", não é assim que se costuma dizer?) na linguagem de Walsh? Compare-se o retrato que o filme faz do "Dirty Protest" (as paredes das celas cobertas de excrementos, os prisioneiros nus por não aceitarem um uniforme que os tornaria iguais aos presos de delito comum) com esta passagem de <span style="font-style: italic;">Acamarrados</span> (<span style="font-style: italic;">Bedbound</span>):<br /><blockquote>E depois não senti chão debaixo de mim. Como o cão nos desenhos animados do Bip-Bip tentei correr no ar. Até foi mais ou menos divertido até ter caído. E caí num grande buraco. E bem até à cintura estava coberta de merda. Deixei rapidamente de tentar apanhar ar fresco e inspirei o ar de merda. Vomitei um bocadinho. Vomitei as colas que tinha bebido no autocarro. Limpei a boca do vomitado com uma mão coberta de merda. Cuspi a merda e comecei a subir uma escadinha que saía do buraco de cimento. E nem sequer chorei. E esta é a história do dia em que apanhei poliomielite.<br /><div style="text-align: right;">(Trad. Joana Frazão)<br /></div></blockquote><br />2. São várias as peças de Enda Walsh (<span style="font-style: italic;">Acamarrados</span>, <span style="font-style: italic;">The Walworth Farce</span>, <span style="font-style: italic;">The New Electric Ballroom</span>) onde a situação das personagens é a de uma clausura auto-imposta. Para além de quase todo o filme se passar numa prisão, não será possível ler a greve de fome de Sands como um exemplo extremo desse fechamento ao mundo, o próprio corpo um ermitério que recusa os alimentos, as coisas exteriores?<br />3. O filme insiste no silêncio entre os prisioneiros. É esse aliás um dos poucos <a href="http://www.guardian.co.uk/politics/2008/oct/22/maze-prison-film-northernireland-hunger">reparos</a> que quem passou pela prisão de Long Kesh (The Maze) faz a <span style="font-style: italic;">Hunger</span>, sublinhando a camaradagem e o incitamento constante à resistência. Mas essa ausência de palavras, subtituídas pelos golpes dos guardas, existe para pôr em evidência a longa conversa entre Sands e o padre (um contraste também de découpage, com os planos aproximados até então frequentes a serem durante largos minutos postos de parte em favor de um plano-sequência que enquadra de longe os dois interlocutores, sem campo-contracampo). Aí se vêem todas as qualidades de dialoguista de Walsh: a velocidade, o humor, a torrente de palavras, a rememoração que assinala um trauma sem por isso reduzir tudo à psicologia. Uma ilha de teatro no meio do cinema? Não, no silêncio já havia a marca de Walsh, tal como isto não deixa de ser (óptimo) cinema. E será este diálogo tão walshiano assim? É afinal de um debate político que se trata, e não tinha, aparentemente, havido muito disso nas suas peças, habitadas por personagens preocupadas em contar incessantemente as suas pequenas histórias privadas que explicam a ausência de saída actual (é possível ler os seus textos como "prequelas" de peças de Beckett). Talvez aqui seja possível virar o jogo e (tal como o Pinter de <span style="font-style: italic;">Língua de Montanha</span> ilumina o do <span style="font-style: italic;">Encarregado</span>) começar com a ajuda de <span style="font-style: italic;">Hunger</span> a fazer uma leitura política das peças de Enda Walsh.FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-87917651656677126772008-11-05T22:20:00.005+00:002008-11-06T00:31:18.507+00:00Prop 8Numa noite extraordinária, a péssima notícia foi a passagem da Proposition 8 na Califórnia, banindo os casamentos entre pessoas do mesmo sexo que, meses antes, tinham sido aprovados. Há mesmo qualquer coisa de trágico na possibilidade de o aumento da participação eleitoral, esmagadoramente pró-Obama, ter contribuído para este desfecho. E parece-me que o próprio Obama, embora tenha dito que votaria "Não", tem aqui responsabilidades, dada a sua posição contra os casamentos e pelas uniões civis homossexuais.<br />O que não percebo é uma frase como esta (<a href="http://blog.miguelvaledealmeida.net/?p=531">em stereo</a>) de Miguel Vale de Almeida: <a href="http://jugular.blogs.sapo.pt/91227.html">"Infelizmente pouco indica que a igualdade sexual seja uma das suas [de Obama] causas estruturantes, pelo menos por comparação com a sua oponente nas primárias."</a> Não é caso único, mesmo em Portugal: Hillary foi bem sucedida na criação de uma imagem resolutamente pró-LGBT, embora tenha exactamente a mesma posição que Obama na questão do casamento e esteja ligada por afinidade a duas leis discriminatórias que Bill Clinton aprovou, o <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Don%27t_ask,_don%27t_tell">Don't Ask, Don't Tell</a> e o <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Defense_of_Marriage_Act">Defense of Marriage Act</a> (ambas, salvo erro, contestadas por Obama e não por Hillary). Se calhar tenho andado a ler demasiado <a href="http://andrewsullivan.theatlantic.com/the_daily_dish/2008/02/obama-stands-up.html">Andrew Sullivan</a>, mas sempre me pareceu que Obama era apesar de tudo o candidato mais pró-gay - basta pensar no discurso de ontem. É que as palavras contam.FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-7913769718581951952008-11-05T06:56:00.002+00:002008-11-05T06:58:40.275+00:00Ufa<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj6ukSVJOMHLVl0AheEaNsGEdg-_FgXCNDebhHdWN63mUzP1IPfcanR1eELjuMh83BWAzggsNWzXr_JWDwI8aPFr2Y7qENjs97mGyYEcsklhnYMWCLaYv2vDXUrR5ZPuUvBSKsRfIcu9mM4/s1600-h/obama2.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer; width: 400px; height: 281px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj6ukSVJOMHLVl0AheEaNsGEdg-_FgXCNDebhHdWN63mUzP1IPfcanR1eELjuMh83BWAzggsNWzXr_JWDwI8aPFr2Y7qENjs97mGyYEcsklhnYMWCLaYv2vDXUrR5ZPuUvBSKsRfIcu9mM4/s400/obama2.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5265064320535677506" border="0" /></a><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjtQ1-h4mUjLQ_QtqFpiJnT-45bg2YaJQvr_EAE16MNmdRZQfULjQ8zdx9bL9DY69-t-ejLX0FjpHEuUONtDCeT6AcB7PQHERk11os3NlE5NZx35iWj1i0E6PtwkDzx8J6YApULKU9iXka/s1600-h/obama2.jpg"><br /></a>FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-5625318376470015331.post-7251860457555555582008-11-03T23:05:00.001+00:002008-11-04T15:58:09.476+00:00Lipstick<span style="font-style: italic;">527</span>, <span style="font-style: italic;">538</span>, <span style="font-style: italic;">earmarks</span>, <span style="font-style: italic;">pork-barrel</span>, <span style="font-style: italic;">Roe v. Wade</span>, <span style="font-style: italic;">litmus test</span>, <span style="font-style: italic;">all of the above</span>, <span style="font-style: italic;">beltway</span>, <span style="font-style: italic;">drink the Kool-Aid</span>, <span style="font-style: italic;">SCOTUS</span>, <span style="font-style: italic;">swift-boat</span>... Há na política americana todo um vocabulário que é preciso dominar, um jargão para iniciados feito de siglas, abreviaturas, reminiscências de campanhas passadas, metonímias, uma panóplia de que fazem parte todas as expressões sistematicamente mal traduzidas pelas legendas do <span style="font-style: italic;">West Wing</span>. Nesta eleição, para além de se terem usado todas estas, houve algumas que cristalizaram à sua volta as posições em confronto, ganhando uma materialidade que as destaca da indiferenciação linguística: coisas aparentemente banais como <span style="font-style: italic;">to cling</span>, <span style="font-style: italic;">bitter</span>, <span style="font-style: italic;">preconditions</span> ou o demonstrativo <span style="font-style: italic;">that one</span>, coloquialismos como <span style="font-style: italic;">doggone</span>, slogans como <span style="font-style: italic;">Yes We Can</span> e <span style="font-style: italic;">Drill, Baby, Drill</span>, personagens pitorescas como <span style="font-style: italic;">Joe Six-Pack</span> e <span style="font-style: italic;">Joe the Plumber</span> - e uma das mais curiosas, <span style="font-style: italic;">lipstick</span>.<br />No discurso à convenção republicana, piscando o olho e cerrando o maxilar, Sarah Palin explicou que a diferença entre uma <span style="font-style: italic;">hockey mom</span> (ela própria) e um pit bull era o bâton. E Obama, falando das políticas falhadas de Bush umas semanas depois, dizia que se podia pôr bâton num porco que não deixava por isso de ser um porco. Aberto este jardim zoológico, que podemos expandir se traduzirmos <span style="font-style: italic;">hockey mom</span> por mãe-galinha, a campanha de McCain acusou Obama de sexismo, por ter chamado porca a Sarah Palin (com o argumento sherlock-holmesiano de que é a única candidata que usa bâton). Sentiu-se o desespero que havia em desencantar o tema do machismo, para atrair apoiantes de Hillary. Embora seja difícil perceber como é que alguém que se auto-define como um pit bull se pode sentir ofendido se lhe chamarem porco (mais uma contribuição: na equipa de básquete do liceu, Palin era conhecida como Barracuda), se quisermos levar a discussão a sério vemos que o que está em causa são as propriedades transfiguradoras do bâton: para Palin este funciona como o beijo da princesa que muda o sapo em príncipe, uma espécie de elixir mágico que opera a transformação de um cão de raça numa rainha dos subúrbios; já Obama (cá está o seu materialismo, certamente socialista) parece chamar os bois pelos nomes, o bâton deixa de funcionar como catalisador metafórico. Obama consegue matar a metáfora mostrando a sua semelhança com uma expressão idiomática imediatamente reconhecível (<span style="font-style: italic;">lipstick on a pig</span><span>)</span>, tornando inofensivo o mais raivoso cão tropológico. Um automatismo da linguagem serve de antídoto e impede a metamorfose pela maquilhagem. Para além disso é uma boa linha de defesa contra a paranóia da campanha de McCain: como pode esta inócua expressão que todos conhecemos, e que o próprio John "straight talk" McCain utilizou, ser uma alusão à anedota do pit bull? Miragens, sobreinterpretações.<br />Mas numa entrevista com David Letterman, resguardado pelo salvo-conduto do <span style="font-style: italic;">late-night</span>, Obama arriscou um pouco mais: se ele estivesse a falar de Sarah Palin, que não estava, então o porco seria não a Palin mas as políticas falhadas de Bush, e Sarah o bâton que as não consegue disfarçar. Esta sofisticação e agilidade retóricas, onde uma dupla e muito mais criativa metáfora (ironicamente negada e blindada por uma expressão idiomática) mina o funcionamento da metáfora adversária, são uma demonstração inequívoca da superioridade de Obama face à equipa de McCain, que queria fazer passar cosmética por magia. O grande orador serve-se do <span style="font-style: italic;">straight talk</span> para desmontar a oratória dos <span style="font-style: italic;">straight talkers</span>. Quem é que não havia de querer um presidente assim? GObama!FFhttp://www.blogger.com/profile/07232624686728084624noreply@blogger.com0